O Dia da Mulher conscientiza diversos aspectos relacionados à mulher, e a saúde é um deles. Segundo o Instituto Nacional de Câncer (INCA), o câncer do colo do útero continua sendo um dos mais frequentes entre as mulheres no Brasil.
A doença causou 6.606 mortes em 2021, muitas das quais poderiam ter sido evitadas com exames regulares e vacinação contra o HPV. O instituto realiza uma consolidação de dados por triênio, e em breve vai encerrar a coleta de números de 2023 a 2025. A última estatística disponível é de 2022, quando o INCA informou que 6.983 mulheres no Brasil já haviam morrido pelo câncer de colo do útero. A previsão é que o triênio atual ultrapasse a marca de 7 mil.
Mesmo com esse aumento, a doença é facilmente prevenível, mas ainda há muitos desafios em relação à adesão à imunização e ao rastreamento. “O câncer do colo do útero é um dos poucos tipos de câncer que podemos dizer com segurança que é prevenível”, afirma Raphael Brandão, chefe de Oncologia da Rede de Hospitais São Camilo de São Paulo.
Ele explica que a vacinação contra o HPV é uma das formas mais eficazes de reduzir os casos da doença. “Ela pode reduzir em até 90% a incidência de câncer do colo do útero quando administrada antes da exposição ao vírus”, disse.
O papilomavírus humano (HPV) é um vírus sexualmente transmissível que pode infectar pele e mucosas, provocando desde verrugas genitais até lesões que, se persistentes, podem evoluir para câncer.
De acordo com Márcia Fuzaro Terra Cardial, presidente da Associação Brasileira de Patologia do Trato Genital Inferior e Colposcopia (ABPTGIC), “o HPV é transmitido por contato pele a pele ou pele com a mucosa, podendo permanecer latente por anos antes de causar qualquer manifestação clínica”.
Marcelo Vieira, cirurgião oncológico, detalha que o vírus entra no corpo e “invade” a parte interna das células, o que colabora para que ele passe despercebido no corpo enquanto se multiplica.
Ao longo do tempo, o organismo é capaz de reconhecer esse tipo de célula “maligna” e tenta matá-la. “Porém, a resistência do vírus em algumas pessoas faz com que eles permaneçam com as células infectadas pelo HPV e, esses indivíduos (10 a 20% dos infectados), desenvolvem a doença causada por esta infecção viral”, disse.
Em alguns casos o vírus permanece “dormindo” nas células, o que é chamado de infecção latente, até o momento que existe uma imunossupressão (por uma doença ou tabagismo ou imunodeficiência do corpo pelo HIV) e o vírus passa a se multiplicar de forma exagerada e desenvolve a doença.
Nem todas as infecções pelo HPV levam ao câncer. São mais de 200 subtipos de HPV, mas a maioria não causa problemas graves, alguns deles nem chegam a se manifestar no organismo. Porém, os subtipos 16 e 18 são os responsáveis por cerca de 70% dos casos de câncer do colo do útero.
Outros dois subtipos muito comuns são os 6 e 11, que causam verrugas genitais. “A infecção pode ser transitória e eliminada naturalmente pelo organismo, mas em alguns casos persiste e pode provocar alterações celulares que evoluem para um tumor maligno”, explica Brandão.
A vacina contra o HPV está disponível gratuitamente no Sistema Único de Saúde (SUS) para meninas e meninos de 9 a 14 anos, além de mulheres e homens imunossuprimidos de até 45 anos.
“A adesão à vacinação entre 9 e 14 anos ainda está abaixo da meta estabelecida pelo governo, que é de 80%”, disse Vieira.
A imunização oferecida pelo SUS é a vacina quadrivalente, que protege contra os tipos 6, 11, 16 e 18 do HPV. Já a vacina nonavalente, disponível na rede privada, amplia a proteção para nove subtipos do vírus, incluindo os que estão cobertos na quadrivalente.
“A vacina foca nos principais tipos oncogênicos, garantindo uma proteção extremamente eficaz”, explica Brandão.
Mesmo com a vacina disponível no SUS, a adesão continua baixa por diferentes motivos, podendo incluir fatores socioeconômicos e culturais, segundo os especialistas.
Há desinformação e falta de conscientização, além de barreiras no acesso à saúde. Para pessoas que não estão dentro da faixa etária recomendada, ainda existe o pensamento que o imunizante é somente para crianças e adolescentes.
Adultos até 45 anos também podem se beneficiar da vacinação contra o HPV, especialmente se não foram expostos aos subtipos mais agressivos do vírus.
Brandão destaca que mesmo para aqueles que já possuem o vírus, a vacina pode ajudar na prevenção de novos tipos e reduzir o risco de lesões pré-cancerígenas e recorrência de problemas relacionados ao HPV.
Nos países onde a cobertura vacinal contra o HPV é alta, os casos de câncer do colo do útero já estão em queda.
“A vacina não substitui o exame de Papanicolau. Ele continua sendo fundamental, pois detecta lesões pré-cancerígenas que podem ser tratadas antes de se tornarem um câncer invasivo”, alerta Brandão.
Márcia ressalta que a prevenção deve incluir múltiplas estratégias. “Além da vacina, recomenda-se rastreamento para Clamídia e Gonorreia em mulheres jovens, exames periódicos e tratamento de lesões pré-cancerosas”, disse.
Atualmente, o SUS está ampliando o rastreamento para incluir testes moleculares (PCR) para detecção do HPV.
“A ampliação da testagem será um grande avanço, permitindo diagnósticos mais precoces e direcionamento mais eficaz do tratamento”, afirma Márcia.
Para evitar o HPV, a principal forma de prevenção é a utilização de camisinha durante relações sexuais, pois o vírus precisa do contato de mucosas de forma direta para ser transmitido.
Outro aspecto importante é que se sempre que houver verrugas ou feridas nas regiões genitais, as relações sexuais devem ser evitadas até a cicatrização e tratamento total das lesões.
Além disso, o reforço de campanhas de vacinação e conscientização são a melhor forma para aumentar a cobertura vacinal, de acordo com Brandão.
“A solução já existe: vacinar, rastrear e tratar precocemente”, reforça Brandão.
Neste Dia Internacional da Mulher, especialistas alertam que o combate ao câncer do colo do útero passa por um esforço conjunto entre sociedade e poder público.
“A vacina contra o HPV salva vidas, e garantir que mais meninas e meninos sejam vacinados hoje significa um futuro com menos casos de câncer”, conclui Vieira.